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[Cagando Regra] Por que encadernados?

Ano passado, por ocasião do fechamento da Leitura Savassi, tradicional comicshop de BHCity One, enfrentei um dilema diante da possibilidade de comprar (ou não) a versão encadernada de Grandes Astros Superman. Desse dilema nasceu este texto, que ficou perdido nas infinitas gavetas por mais de um ano e agora eu resolvi finalizar e cagar publicar.

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Ali, com o gibi na mão, a promessa de um imenso desconto que não devia chegar a 10%, pensei: por que comprá-lo, por que não comprá-lo, por que comprá-lo…?

Não comprei.

Tenho aqui na SuínoCaverna essa HQ naquela versão em 12 edições que a Panini lançou. Tenho também o primeiro volume encadernado lançado na gringa, que ganhei de presente (valeu, Modesti!).

Veja bem: o aquecimento do mercado de quadrinhos trouxe duas coisas – de um lado o lançamento, aqui em terra brasilis, dos praticamente inéditos encadernados, edições de luxo e o escambau e, por outro e retroalimentado lado, o surgimento do movimento bazzinga, aqueles leitores estranhos, que leem de verdade muito pouco, colecionam somente as lombadas e mesmo assim acham que sabem de tudo. Em tese, problema nenhum: se as editoras publicam encadernados para alimentar os bazzinga ou para servir de calço de parede na construção civil, pouco importa, desde que publiquem. O problema disso tem sido os preços: focadas exclusivamente em encadernados e colecionadores, editoras como Salvat e Eaglemoss vendem seus produtos lá pela casa dos 50 mangos. Ao mesmo tempo, essa idolatria das lombadas tem aumentado a oferta de materiais em capa-dura, muitas vezes a preços criminosos.  Nesse sentido, alguma racionalização dos colecionadores da velha guarda e/ou baixa renda (às vezes é tudo a mesma coisa) precisa existir.

É disso que tô falando, e pra isso vou apresentar os pontos que eu levo em consideração na hora de torrar um carvão ou não num material desse tipo.

Critério 1: Encadernado pra quê?

Esse é o mais importante de todos. Pode ser que você compre um encadernado porque ele compila uma saga ou arco que você tem num outro formato, não tão prático ou acessível (tipo Guerras Secretas na versão Teia do Aranha da Abril, por exemplo); ou porque aquele encadernado compila uma série que você não leu porque saia num mix meio bosta (tipo Mulher-Maravilha Novos 52); ou ainda porque ele reimprime uma história ou série cujo formato original era ruim mesmo (tipo A Cidade de Vidro de Paul Austen. Se aquilo fosse relançado num formato decente, comprava de novo fácil). Nesses casos não tem muito o que pensar não, pelo menos não no que tange ao encadernado em si (mas vide o critério 2).

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Critério 2: Custo

Sim, eu coloquei “custo” ao invés de “preço” porque isso faz diferença. Muitas vezes um encadernado traz um valor unitário alto, mas tem a vantagem de você não ficar comprando merda junto no mix ou de ter de deslocar mensalmente até a banca de jornal. Tá ali, num volume só, tudo junto. Záz. Num mundo editorial maravilhoso e maduro isso seria lindo: você compraria o primeiro número de Miracleman, por exemplo, acharia bem legal mas a disposição para ficar comprando mensalmente estaria ausente e você esperaria o lançamento de uns compilados. Lindo, né? Só que não há garantias. A citação à Miracleman não é gratuÍta: mesmo se tratando de um material histórico, antológico, não há garantia nenhuma de um dia ser lançado em encadernados – tanto que não foi até hoje. Vai correr o risco de ficar sem ou de depois ter material duplicado na prateleira?

Ao mesmo tempo, eu não encaro encadernados que julgo terem preço abusivo. Por esse motivo eu não tenho, por exemplo, nenhum volume Marvel Deluxe na coleção – mesmo querendo muito ter a fase do Brubaker no Capitas ou do Strapizonga no Thor, por exemplo. Mas acho os preços meio absurdos, coisa pra ostentador – a própria Panini tem material similar, com o mesmo acabamento e preços muito mais interessantes.

                Critério 2.1 – Material que só sai em encadernado/formato de luxo

Aí é foda. Saga, do K. Vaughan (R$59,90 por 168 páginas) e Criminosos do Sexo, do Fraction (R$64,90 por 136 páginas), ambas da Devir; ou Bolland Strips (R$59,00 por 96 páginas – essa eu peguei numa bacia das almas) e a série Moebius (em média R$49,00 por álbuns entre 42 e 96 páginas), ambos da Nemo,  são exemplos de belíssimas furadas de olho. Nestes casos a minha estratégia é sempre vaguear pelos limbos das internets atrás de descontos, baciadas das almas ou sebos. Mas aqui vai de cada um. Tem coisa que eu sei que nunca vou comprar – ou que vou demorar anos para fazê-lo, como foi com o encadernado do Questão pela Panini – justamente por isso.

Critério 3: Liberar espaço

Aí você correu o risco e agora tá com material duplicado na prateleira: o encadernado então pode ser uma boa chance de liberar espaço na coleção. É o caso das já citadas Guerras Secretas originais. Quando foi lançada pela primeira vez na íntegra aqui na Terra da Banana (em 1994/1995), saiu em cinco edições formatinho d’A Teia do Aranha da Ed. Abril (#62 a 66). Isso pode ser facilmente substituído (e ocupa menos espaço) por dois volumes capa preta da Salvat, sem contar os ganhos adicionais (vide o próximo critério). Claro, isso não faz diferença nenhuma se você for doente como eu, que comecei a colecionar a série da Salvat justamente com esse propósito e, no fim, não tive coragem de me desfazer dos formatinhos (ou que guardo todas as versões lançadas no Brasil de algumas histórias específicas). Se você for alguém normal, investir em encadernados para economizar espaço é uma boa.

Mas se você é alguém normal, é também pouco provável que esteja lendo um post meu…

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Critério 4: Um plus a mais

Bons encadernados trazem ganhos secundários relevantes. O maior exemplo disso é a versão definitiva de “Reino do Amanhã”: a versão em quatro números (a primeira lançada pela Abril) tem a vantagem de permitir a visualização completa (e confortável) das capas originais, mas a edição definitiva, além do formato maior, ainda compila uns esboços e comentários do Waid e do Ross sobre a série (alguns deles haviam saído por aqui em umas – quatro, acho – edições da Wizard, pela editora Globo). Isso é um ganho que justifica! O que não acontece, por exemplo, no encadernado de capa mole do primeiro arco da Liga Extraordinária, lançado pela Pandora Books: além de não ter nada, nada nada, nem uma notinha, ainda priva o leitor da divertida capa que o Kevin O’Neill fez para a terceira edição. Se o encadernado é desse tipo (mais encalhernado do que qualquer outra coisa) a publicação original acaba valendo mais a pena. Inclusive, fosse pra escolher eu prefiro Marvels por exemplo na edição da Abril, em quatro edições com capa de acetato. O encadernado comemorativo do 10º aniversário pela Panini é um forte candidato a liberar espaço aqui na SuínaCaverna.

Ainda nesse sentido, há o curioso caso de Sandman: a edição definitiva da Panini é mais acessível (em termos de facilidade de encontrar) e é, em tese, definitiva. Mas eu por exemplo trocaria fácil meus cinco volumes dela pela versão da Conrad, que é mais confortável de manusear e de ler (se alguém quiser trocar, topo até combinar um cascalho de troco).

Critério 5: Material porcaria

Essa é meio óbvia, mas não custa pontuar: the age of the Bazzinga fez com que encadernado seja entendido como indicador de qualidade. Isso é uma cilada, Bino! A Panini mesmo lançou muito material lixo puro em capa dura para pegar os incautos. Coisas como Wolverine: Origem II, praticamente toda a série Marvel Noir, uns encadernados de vilões (Doutor Octopus Origem; Magneto Atos de Terror…). Ok, é verdade que essas HQs, apesar de porqueiras embaladas em papel bom e capa dura, tinham preços de lançamento até honestos (quanto ao acabamento, frise-se), mas é bom estar atento. Tem muita boa viola por aí que por dentro é só pão bolorento.

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Critério 6: Precisa MESMO ser capa dura?

Ok, essa talvez pareça ser muito mais pras editoras do que para nós, leitores/colecionadores. Portanto, se quiser você já pode parar de ler e ir nos comentários dizer que “nem leu, nem lerá” o post. =)

Mas o lance é que tem muita coisa que é lançada em capa dura e não há sentido nenhum nisso. Exemplo pessoal: eu acho Gavião Arqueiro do Matt Fraction bem legal, mas não carecia de capa dura. A mesma coisa para a Liga da Justiça do Morrison… Até porque esses formatos luxuosos encarecem a coisa e dificultam a continuidade da publicação, taí a própria Liga do Morrison ou o Starman do James Robinson (pra quem gosta), para sempre incompletos. Na outra ponta, encadernadinhos lero-lero, aqueles de capa mole e coisa e tal, são ótimos para conhecer materiais e vendê-los com facilidade: não a toa Y: o último homem e 100 Balas foram publicados sem sofrimento. A mesma coisa para o Monstro do Pântano do Moore ou os Hellblazer clássicos. Claro, no mundo ideal tudo seria lançado num “Graphic MSP” style, como foi com a nova Miss Marvel, ou seja, lançada em paralelo na capa dura e na capa mole, mas o mundo não é o paraíso que a gente queria…

O lance é que capa dura não é credencial de coisa nenhuma. Alguns dos meus gibis favoritos da vida não são em capa dura, e se você me perguntar se eu preferia que eles tivessem sido lançados nesse formato, a única resposta possível é esta: não faz diferença. Olho para alguns capa dura da prateleira e percebo com clareza que foram lançados assim para darem a impressão de que são mais importantes, relevantes e bons do que de fato são. Grandes merdas.

Ao mesmo tempo, acho que consigo levantar algumas hipóteses que levam à escolha de lançar um material em capa dura em detrimento do uso da capa mole. Questões como a durabilidade (produtos em capa dura sofrem menos danos no transporte e no ponto de venda, diminuindo prejuízos); o aumento de pontos de venda (materiais em capa dura têm melhor penetração – ui!- em livrarias e na gigante-guerreira Amazon); bem como uma possível maior lucratividade (provavelmente a diferença do custo de produção capa mole/capa dura é bem inferior à diferença de preço ao consumidor final) e o que eu chamo de “tesão da forma”: algumas pessoas comprarão preferencialmente materiais iguais exclusivamente em capa dura, devem pesar na balança. Mas entender o porquê não me impede de reclamar dele, né? Ou eu estou errado?

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Critério 7: A doença completa

Às vezes o colecionador que vive em mim consegue ser mais forte do que a maturidade (qual?) e a falta de cascalho e a doença se instala: tem HQs (e uns livros também) que eu tenho o ímpeto imbecil de ter na maior quantidade de versões possíveis. O primeiro volume da Liga Extraordinária, a Metamorfose de Kafka, a própria All-Star Superman, Reino do Amanhã, Calvin & Haroldo (na verdade, desse eu quero é fechar a versão da Best News), as publicações de Laerte e Angeli na Circo… enfim, alguns volumes vão se proliferando aqui, numa manifestação de exclusivo fetiche do objeto.

Isso pesa na hora que eu tô com um encadernado na mão. Claro esse é, como eu disse, um critério imbecil. Por isso ele é o último dos últimos, também por não ter quase objetividade nenhuma. Sei se a doença é só minha, por isso mesmo marquei como um e último critério – preço, inexistência de extras e outros podem, mesmo num material que gosto muito, fazer com que uma determinada versão não vá pra prateleira. Exemplo concreto? Reino do Amanhã. É das minhas histórias favoritas de super-heróis de todos os tempos. Mas quando a Panini lançou a versão definitiva, a primeira versão encadernada pela própria Panini perdeu a razão de ser. Hoje a HQ está aqui no acervo em duas versões: a original da Abril (ali dá pra ver aquela capa espetacular do número 4 em todo seu esplendor) e a edição definitiva (sigo tendo sonhos molhados com aquela versão encadernada gringa com as capas imitando couro).

Enfim, é isso. Acho desimportante (mas farei mesmo assim) lembrar que tudo aqui não passam de concepções pessoais de como entendo a minha coleção, quais valores levo em conta na hora de comprar (ou não) um gibi. A sua coleção, o seu dinheiro, isso é tudo seu: se você vai queimar em encadernados capa dura só pra fazer vídeo no Youtube “Apresentando minha coleção de capa dura aos inscritos”, isso é problema seu. Claro, essa fetichização do objeto uma hora vai acabar me afetando – o critério 2.1 cada vez mais se torna a regra do “mercado” – então mantenho meu direito inalienável de reclamar, paciência.

Ao mesmo tempo, confesso meu receio diante da proliferação de publicações de luxo, com precinhos de capa desgraçados de altos (e que muitas vezes são assim como estratégia para os mega descontos das Amazon da vida reluzirem mais): os Carl Barks, Don Rosa, Mickey Mouse Clássico da Abril (lançados simultaneamente!), as infinitas coleções monta-lombada da Salvat (Marvel capa preta, Marvel capa vermelha, Homem-Aranha, Maiores Vilões, Tex, Conan), as coleções DC Eaglemoss e seus preços fora da realidade (o que foi aquela Batman Terremoto?)… e meu receio não é pelo fetiche da coisa, mas pela bolha que essa estratégia gera. Com o cenário social e político do país cada vez mais abismo abaixo, fico com medo de que o colapso desse modelo (que me parece questão de quando e não mais de se vai vir) atinja a própria publicação de quadrinhos em si. Que São Kirby não permita.

É isso aí. Beijo na bunda.

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