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A gente Lemos: Vigor Mortis comics 2 – Sangue, suor e nanquim

Experiências narrativas transmídia não são muito comuns por aqui. Com exceção de uns poucos pioneiros (como José Mojica Marins, que fez uma HQ para contar o que aconteceu entre Esta noite Encarnarei no Teu Cadáver e Encarnação do Demônio), ainda não se vê muito artistas investindo em iniciativas nas quais mídias diferentes se complementam.

Mas esse é o caso da Companhia Vigor Mortis, que desde o primeiro Vigor Mortis Comics busca usar os quadrinhos, não só para apresentar seus personagens para um novo público, mas também para criar uma experiência que complementa suas produções. Antes, uma contextualização bem rápida: Vigor Mortis é uma companhia de teatro de Curitiba, criada por Paulo Biscaia Filho, que se foca no pulp, no criminal e no horror naturalista, e que este ano se aventurou pela segunda vez nos quadrinhos com Vigor Mortis comics 2 – Sangue, suor e Nanquim.

O primeiro Vigor Mortis Comics era uma antologia, com diversas histórias fechadas sobre os personagens das histórias produzidas pela companhia de teatro (não é preciso conhecer as peças nem os personagens para entender as histórias. Nesta sequência, apesar de manter a iniciativa de criar histórias autocontidas que não necessitam conhecimento prévio, temos apenas uma história longa, que mistura elementos de duas peças em particular da companhia.

Na história, conhecemos Bruna Bloch, estudante de jornalismo e aspirante a escritora durante o período da ditadura militar que, entre as aulas, suas viagens alucinógenas, orgias e entrevistas com assassinos seriais, rascunha a história de Lavínia, uma solitária enfermeira com poderes paranormais.

A história é interessante por que busca fugir do moralismo fácil e do formato de cautionary tale, e conta uma história meio anárquica que, ao mesmo tempo em que traz uma protagonista que representa a independência e subversão que vai contra o status quo da época, suas atitudes ainda assim são moralmente duvidosas do nosso próprio ponto de vista. Bruna é a protagonista, mas está longe de ser uma “mocinha”.

Além disso, a vida de Bruna é intercalada pela história que ela está contando, uma história que parece muito mais macabra do que sua vida (que já é bem maluca), mas ao mesmo tempo nos dá alguns vislumbres sobre a própria mentalidade da personagem.

Vigor Mortis Comics 2 não é um típico “horror pg-13” como o que vemos com frequência nos filmes de Hollywood atualmente, e não se furta de falar de drogas, de tortura, de fetiches sexuais ou outros temas delicados para alguns. Mas a arte (dividida entre José Aguiar, DW Ribatski e André Ducci), com uma pegada bem mais expressionista do que naturalista, foge um pouco da influência original da companhia de teatro e traz uma violência gráfica bem mais estilizada, o que em alguns casos suaviza o horror das cenas (o que pode ser considerado para alguns como ponto positivo, para outros como ponto negativo). Em compensação, as cenas que acontecem durante a história de Lavínia conseguem ser narrados com um bom suspense, que entrega uma história paralela tensa e bem mais crua.

O roteiro é bastante sólido, e derrapa apenas em alguns diálogos e algumas decisões de linguajar (Só por que você é uma fantasma mística não precisa falar de forma empolada), além de alguns nomes questionáveis de personagens (como Dra. Zorn), que são um pouco difíceis de engolir, mas que fazem parte do “cânone” do universo da história. A arte, como já comentei, é feita a 6 mãos e os três artistas possuem estilos bem característicos e nada pasteurizados, o que pode incomodar um pouco alguns leitores acostumados com uma arte esteticamente “perfeita”.

Há alguns pontos negativos a se considerar na história: Há muitos elementos acontecendo ao mesmo tempo, o que pode confundir o leitor menos atento. O ritmo da história às vezes é um pouco estranho, especialmente na transição entre a história “real” e a narrativa de Lavínia. Além disso, a relação entre a narrativa de Lavínia e a história principal de Bruna não é muito óbvia, e fica difícil perceber como essa narrativa paralela contribui para o resto da história como um todo. Mas são pequenos pontos que não atrapalham realmente a leitura.

Vigor Mortis comics 2 – Sangue, suor e Nanquim é uma boa pedida se você gosta de uma história noir com bastante erotismo e pitadas de terror. É uma história fechada, que não requer que você tenha qualquer conhecimento sobre a companhia de teatro, suas histórias ou seus personagens.

Nota: 9

Algures

Meu nome é Algures e tenho 41 anos (teria se tivesse vivo). Morri aos 13 anos tentando ouvir o Podcast MDM proibidão. Envie esse post para 20 pessoas para que eu possa descansar em paz. Caso não repasse essa mensagem, vou visitar-lhe hoje à noite e você vai se arrepender. Dia 15 de julho, Rafael riu dessa mensagem e 27 anos depois morreu em um acidente de carro. Não quebre esta corrente a não ser que queira sentir minha presença (atrás de você)

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