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Eu tenhoo/Você não te-em!… Ou o lance da publicidade infantil e todo o mimimi e zumzumzum gerado por ela

Alô mamãe! Bati o recorde de título mais maior de grande de todos, todos, todos os posts do MdM? Porque pode ser que eu bata o recorde de page downs nesse post!

Então, mulambada! Acho que todo mundo mais ou menos antenado na contemporaneidade internética deve estar sabendo do rebuliço que causou, na semana passada, a resolução do CONANDA publicada em março deste ano e válida desde então (sabe-se lá porque esse delay todo, mas enfim… será que tem a ver com o período eleitoral???). Se não sabe, a resolução é esta aqui, a 163, e tem por objetivo coibir a publicidade voltada para crianças. E aí começaram a pipocar (agora, com o delay) textos inflamados, apocalípticos, temerosos, assombrados sobre, por exemplo, como esta resolução vai acabar com a indústria dos quadrinhos, brinquedos e brindes no Brasil(!) ou este outro, que mistura na farra o PL 5921/2001 (que tá parada, aguardando parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania desde setembro de 2013, mas a matéria diz que foi aprovada há “três meses”), e fala que a lei vai acabar com a programação infantil no país, que a Globo não passa mais Tv Globinho nem Caça Talentos por causa dela e mimimi bóbóbó.

Mas sem entrar no campo se o Estado deve ou não, através de um órgão técnico-normativo, proibir a publicidade, ou se a resolução é correta ou não, vamos primeiro à própria, à letra dura da lei, como dizem os adEvogados (é sério: vai ser muito inteligente se você clicar aqui e ler a parada por inteiro você mesmo):

Art. 2º Considera-se abusiva, em razão da política nacional de atendimento da criança e do adolescente, a prática do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança, com a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço e utilizando-se, dentre outros, dos seguintes aspectos:
I – linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores;
II – trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança;
III – representação de criança;
IV – pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil;
V – personagens ou apresentadores infantis;
VI – desenho animado ou de animação;
VII – bonecos ou similares;
VIII – promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil; e
IX – promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil.

(os grifos são meus)

Aí você lê e diz: “Óh meu deus! A programação infantil da Tv vai acabar por falta de anunciantes!” ou “Na minha época tinha publicidade pra criança e eu nunca tive problema, o estado quer ocupar o lugar dos pais” ou ainda “MALDITOS PETRALAS! MALDITA GIUMA! QUER FAZER DO BRASIL UMA HUNGRIA!”

Esse infográfico saiu da Folha.

Vamos por partes que o bagulho é doido: primeiro, a gente precisa entender o que a resolução diz, né? O objetivo dela é definir o que é publicidade ou comunicação mercadológica abusiva direcionada à criança. Por quê? Porque o Código de Defesa do Consumidor proíbe a prática de propaganda abusiva. Então o objetivo da resolução é municiar o o Código de Defesa do Consumidor. Simples a intenção? Simples.

“Tá, e aí, Porco. Resume pra mim que tem muita letrinha: o que eles consideraram publicidade abusiva dirigida à criança?” Basicamente… Tudo. Qualquer publicidade ou comunicação mercadológica dirigida às crianças (serezinhos humanos de idade entre zero e doze anos) é considerada abusiva, até porque os qualificadores dos incisos são bem difíceis de serem contornados. Se você quiser fazer propaganda voltada para crianças. É preciso?

Qual a necessidade disso, seu Maurício?
 

No meu cérebro cartesiano equipado com transistores, não. O público infantil é um público consumidor inegável, mas é ele quem toma as decisões de consumo? Não. Ele deveria tomar decisões de consumo? Não mesmo. Ele deveria influenciar decisões de consumo? Muito menos! Dessa forma, a publicidade, o reclame comercial deve MESMO se dirigir a ele? Eu também acho que não. Mas isso leva a outra questão: no meu tempo, provavelmente no seu também, quando éramos crianças, tinha publicidade infantil e nenhum de nós virou consumista desenfreado… Ou virou? Alguns provavelmente sim, há o entendimento que aponta que pais que não tiveram educação financeira na infância (quem da geração que tem 30, 35 anos hoje teve quando era criança?) não conseguem passar o mesmo para os filhos.

Além disso, há que se considerar as mudanças que a sociedade brasileira passou de lá pra cá: quando eu era moleque, poucas crianças não tinham um dos pais ou um avô/avó em casa de modo a acompanhar de perto (e cortar na raiz) os intentos mais consumistas da molecada. Tampouco a publicidade apelava tanto atrelando consumo, auto-estima e formação de identidade (“tenha tal coisa e seja o tal”) como faz hoje. A maioria de nós adultos sabe, ou pelo menos deveria saber, que não é por ter o carro X que você vai ser o bom de sela, o rei do camarote. Mas para a criança… O tênis do Ben 10 de R$350,00 pode sim ser a diferença entre se sentir ou não O CARA LEGAL da turminha. O apelo imperativo da publicidade (“Tenha para ser!”) teoricamente não nos pega, mas tem efeitos realmente nocivos nas crianças. Pra quem não lembra, esse tipo de coisa era tão incomum antigamente que, quando rolou a propaganda da tesourinha do Mickey… rapaz, foi uma polêmica danada!

“Mas aí, o profeta do apocalipse lá do Yahoo disse que a programação infantil na Tv acabou por falta de anunciantes, Porco! Explica essa!”

Será mesmo? Este texto da Folhinha de agosto do ano passado (e, portanto, antes da resolução do CONANDA) já apontava a redução drástica da programação infantil na Tv aberta pelo motivo de… não ter audiência! No caso da Tv aberta, mais alguns anos e a programação infantil sumiria de vez – com a audiência caindo cada vez mais, e outros canais ganhando no IBOPE com outros programas, a lógica é que outro tipo de produto entre na grade: dá-lhe o Desencontro da Fátima Bernardes! No caso da TV Paga, o lance é ainda mais bizarro: quando eu tinha sei lá, uns 14, 15 anos, lembro com clareza que o Cartoon Network NÃO TINHA reclames comerciais: os intervalos falavam unicamente da programação do próprio canal. O que mudou de lá pra cá? O negócio ficou insustentável e por isso teve de apelar para a publicidade ou… a publicidade tornou o negócio mais lucrativo?

Neste momento, eu acho a resolução algo importante. Justamente por ter trabalhado em clínicas sociais com crianças, eu sei o efeito perverso que a cultura do “tenha para ser” ou “você é o que você tem” gera nelas, PRINCIPALMENTE nas mais pobres, onde o tão maravilhoso tênis-do-Ben10-de-R$350,00-que-vai-te-fazer-o-cara-legal consumiria uma porção considerável do orçamento familiar. Será preciso muito trabalho, do tipo que as firmas de publicidade não fornecem ou subsidiam, para que ele entenda que não há relação causal entre o tênis e a felicidade. Muito trabalho mesmo.

A resolução tem problemas? Sim, tem. Por exemplo, o parágrafo primeiro do artigo 2º:

§ 1º O disposto no caput se aplica à publicidade e à comunicação mercadológica realizada, dentre outros meios e lugares, em eventos, espaços públicos, páginas de internet, canais televisivos, em qualquer horário, por meio de qualquer suporte ou mídia, seja de produtos ou serviços relacionados à infância ou relacionados ao público adolescente e adulto.

“Pôneis malditos” é uma propaganda dirigida ao público adulto (e isso é definido pelo produto veiculado, uma picape) mas dotada de linguagem infantil. Provavelmente, à luz da resolução, esse tipo de publicidade acabaria gerando movimentações judiciais excessivas e desnecessárias, né? Porque o parágrafo primeiro veta também produtos ou serviços relacionados ao público adolescente e adulto… Este parágrafo, em específico, precisa de revisão a fim de ficar mais claro.

Cabe lembrar da tartaruguinha, dos tatuís e dos caranguejos de uns anos atrás. Em 2001 e 2002, pra ser preciso, algumas propagandas da cerveja Brahma, estreladas por uma tartaruga e por um casal de caranguejos geraram polêmica e, salvo engano, foram proibidas por terem forte apelo junto ao público infantil. Acabou numa proibição a esse tipo de comercial envolvendo cerveja. O que mais a indústria cervejeira fez? Acrescentou, ao final dos seus comerciais, uma alerta “Produto destinado a adultos”. Mesmo proibidos de usar bichinhos animados engraçadinhos, o alerta no final trata de garantir que aquele anúncio (e respectivamente, o produto) não se dirige a crianças ou adolescentes. No caso do CONANDA, como a resolução posiciona-se pelo veto de propagandas DIRIGIDAS às crianças, basta que elas (as propagandas) passem a ser dirigidas aos adultos: “Leve a sua filhinha para ver o novo filme do Ben 10, ela vai adorar! Em exibição nos melhores cinemas” ou “Com Pumpers Turma da Mônica, o seu filho fica sequinho a noite toda!” Pronto, mudou o direcionamento da publicidade. Pronto, deixou de ser alvo da resolução – mesmo com a Turma da Mônica ou o Ben10 no meio…

Assim, textos apocalípticos e desintegrados como o do Gian Danton que eu referenciei acima que, profeta do Ragnarok, antecipa o fim das capas de gibis e da própria indústria de quadrinhos no Brasil, inclusive os materiais adultos, são profundamente exagerados. Afinal de contas, a resolução não trata de produtos ligados ao público infantil (como os quadrinhos e suas capas, por exemplo). Eles continuam existindo, só não podem ser propagandeados diretamente para as crianças. Dizer qualquer coisa fora disso é fazer alarme pelo alarme. Afinal de contas, a resolução já tem três meses em vigor, e as capas dos gibis e as estatuetas da Eaglemoss continuam nas bancas. Se eu não conhecesse o Gian, roteirista de quadrinhos e professor, diria que ele agiu de má fé com esse texto absurdo e exagerado. Mas acho que se trata mesmo de um mal entendimento do dispositivo e só. Afinal, quem em sã consciência defenderia o fomento do consumo através da manipulação da ingenuidade das crianças? (sim, agora EU fui propositalmente maldoso)

Enfim, o assunto é sério e o texto já ficou grande também, mas ainda vai ter desdobramentos, com certeza. Mas pra isso, a discussão precisa ser feita com um pouco mais de honestidade do que vem sendo tocada. Nesse meio tempo, posicionamentos podem mudar (o meu incluso, claro), mas, pra arrebatar com uma referência nerd, o que eu tenho a dizer é que a resolução do CONANDA não é o que nós gostaríamos que fosse, mas é o que nós precisamos que seja neste momento. Com o tempo, se discute e tudo se ajeita.

Porque, no fim das contas, a grande questão é: nós somos mesmo a favor da não regulamentação de publicidade dirigida às crianças? De verdade, Maurício?

Para ler mais sobre o assunto:

– Texto do Alana com um FAQ sobre a resolução, o CONANDA e sua validade.

– Também tem este texto aqui da Cida de Oliveira, sobre a relação entre publicidade e obesidade infantil.

– Associação Brasileira de Agência de Publicidade (ABAP) discute a necessidade de regulamentação da publicidade infantil.

– E pra fechar, a monografia de Danielle Vieira da Silva, da UFPB, sobre a relação publicidade infantil e regulamentação também merece ser lida (é uma monografia, logo, é longa. Se não rolar de ler tudo, pelo menos leia a conclusão onde ela aponta que a publicidade vinha ignorando acordos anteriores de regulamentação).

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